terça-feira, 27 de setembro de 2011

Universalismo - Pablo de Salamanca

Universalismo é a compreensão de que todas as religiões e filosofias contêm uma parcela da Verdade Cósmica. Ser universalista não é algo fácil, exigindo um exercício constante de tolerância e discernimento.

Talvez uma boa forma de se iniciar uma caminhada espiritualista universalista, seja observar atentamente os pontos em comum entre as diferentes visões da vida, deixando de lado as controvérsias. A partir disso, será possível começar a vislumbrar a presença da Inteligência Universal por trás do pensamento religioso/filosófico de todas as culturas, sejam elas de caráter monoteísta ou politeísta, dualista ou monista, materialista ou espiritualista, empírico ou científico etc.

Com certeza, há fundamentos em comum para as diversas formas de enxergar o mundo, mas também, e talvez sobretudo, há complementariedades. Não necessariamente duas visões diferentes sobre um mesmo assunto são contrárias! Mas, como essas visões provêm de ângulos diferentes, na realidade, se complementam. Para exemplificar esta questão, é interessante recordar uma velha história hindu, que passo a relatar em seguida. Numa cidade da Índia viviam sete cegos, que tinham alguma sabedoria. Como os seus conselhos eram quase sempre muito úteis, todas as pessoas que tinham problemas recorriam à ajuda deles. Eram amigos, mas havia uma certa rivalidade entre eles, o que, de vez em quando, causava uma discussão sobre qual seria o mais sábio. Em certa oportunidade, depois de muito conversarem acerca da Grande Verdade da Vida, não chegaram a um acordo.
O sétimo cego ficou muito contrariado, resolvendo morar sozinho numa caverna de montanha. Antes de ir embora, falou aos demais:
- somos cegos para que possamos ouvir e entender melhor, o que as outras pessoas não alcançam. Em vez de aconselhar aos necessitados, vocês ficam aí discutindo, como se quisessem vencer uma competição. Não concordo com isso! Voume embora!
Sete meses depois, chegou à cidade um homem montado num enorme elefante. Os cegos, que nunca haviam tocado num paquiderme, foram para a rua ao encontro dele. O primeiro apalpou a barriga do animal, declarando:
- trata-se de um ser gigantesco e fortíssimo! Posso tocar nos seus músculos e não se movem, parecendo paredes!
Mas o segundo cego, tocando nas presas do elefante, afirmou:
- que bobagem! Este animal é pontudo como uma lança, uma verdadeira arma de guerra!
Então, alguém falou:
- ambos se enganam! Era o terceiro cego, que apertava a tromba do elefante. E acrescentou: - este animal é idêntico a uma serpente! Contudo não morde, porque é desdentado. É como uma cobra mansa e macia.
Em seguida, bradou o quinto cego, logo após mexer nas orelhas do elefante:
- vocês estão loucos! Este animal não se parece com nenhum outro, pois os seus movimentos são ondulatórios, como se o seu corpo fosse uma cortina.
Na seqüência o sexto cego, tocando a pequena cauda do elefante, concluiu:
- todos vocês estão completamente errados! Este animal é como uma rocha com uma corda presa no corpo. O que há com vocês?
E assim ficaram, por longos minutos, debatendo aos gritos. Então o sétimo cego, que descera a montanha procurando víveres, apareceu conduzido por uma criança. Ouvindo a discussão, solicitou que o menino desenhasse, na terra macia, a figura do elefante. Após tocar cuidadosamente os contornos do desenho percebeu que todos os seis cegos estavam certos parcialmente, mas, ao mesmo tempo, bastante enganados. Agradeceu ao garoto e atestou:
- é assim que os homens se comportam perante a Verdade. Mal tocam numa parte e já pensam que é o Todo!
A seguir, se afastou de seus antigos companheiros, entendendo que eles continuavam sem enxergar... Portanto a verdade científica, a espírita, a budista, a judaica, a muçulmana, a católica, dentre outras verdades, são complementares, já que nenhuma religião ou filosofia de vida poderá, a seu modo particular, captar completamente o Todo ou Deus. Por isso, não é tão difícil concluir que uma visão mais universalista/ecumênica do mundo, tem a possibilidade de maiores aprendizados. No entanto, isto não quer dizer que as pessoas devam deixar suas práticas religiosas de lado, nem passar a ter preconceitos com relação àqueles que se dediquem, de forma mais exclusiva, a uma religião de sua preferência. Ao contrário, um universalista pode ter uma religião específica, mas, o que o diferencia de pessoas ortodoxas, é a flexibilidade de pensamento e a humildade, pois, apesar de preferir uma forma de culto, reconhece que Deus está em todos os lugares e corações humanos. A Divindade ou Inteligência Universal é infinita e manifesta-se por múltiplas maneiras. O espiritualista universalista verdadeiro entende que, por trás de qualquer forma, há uma Essência.

Mas, qual ou quais as vantagens práticas do Universalismo? A princípio, pelo menos, há dois grandes benefícios em se manter uma postura universalista perante a vida. Um deles, que já foi comentado, é a possibilidade de novos aprendizados, já que a falta de preconceito quanto a outras filosofias e religiões, permite o exame isento de outros pontos de vista. E isto é algo extremamente lógico, pois não é nada inteligente desprezar o que outras pessoas conseguiram através de estudos (científicos ou não), meditações e práticas diversas, muitas vezes por inúmeros anos de dedicação.

Por que segregar tradições filosóficas, religiosas ou esotéricas seculares? Será que estas tradições não possuem conhecimentos que nos podem ser úteis no dia-a-dia? Será que não desenvolveram algum tipo de sabedoria? Além disso é importante salientar que, numa determinada tradição, mesmo que hajam conceitos que não se adequem a nossa vida, não é por isso que devemos concluir que o seu conjunto de idéias seja imprestável. É importante usar um “olho clínico” ou uma “visão interna”, para discernir o que é útil de fato (é claro que isso é pessoal). E quanto aos aparentes “erros” ou “distorções”, por que não aprender com as “falhas” dos outros? Simplesmente jogar fora a experiência de nossos semelhantes é um ato de arrogância e inteligência limitada. O segundo claro benefício de uma postura universalista, é o desenvolvimento de tolerância quanto aos outros pontos de vista. Obviamente, um espiritualista universalista provavelmente contribuirá para uma convivência mais harmônica, na sociedade humana. No entanto, é relevante voltar a frisar, que praticar o Universalismo de fato, não é algo simples ou trivial. É preciso se despojar de idéias pré-concebidas e dogmas, mantendo constantemente uma mente aberta a novas possibilidades, e, entendendo que, um ponto de vista diferente não necessariamente derrubará a estrutura de compreensão que temos do mundo, mas sim que poderá agregar algum valor novo, complementando o que já sabíamos. Em outras palavras, não é preciso encarar idéias novas ou diferentes como ameaças. Paz a todos.


palestra "As faces do espiritualismo e a construção da consciência universalista", realizada no dia 16mai2009, no clube naval Charitas, na cidade de Niterói/RJ, por Adilson Marques. O vídeo aborda a importância de se ter uma consciência universalista para não sofrer com o processo de regeneração da Terra ou de mudança planetária, como se costuma dizer.

As aventuras de Asa White Kenney Billings

A curiosa história do Engenheiro Billings, o homem que fez os rios correrem ao contrário, e mudou para sempre a cidade de São Paulo.

No caminho entre o litoral paulista e a cidade de São Paulo, uma série de tubulações que se erguem pelo gigantesco paredão rochoso da Serra do Mar chamam a atenção. São as tubulações externas da "Usina de Cubatão" (Usina Henry Borden), uma das mais excepcionais obras da engenharia brasileira, fruto da criatividade e excelência técnica de um engenheiro que poderia ser classificado como um dos mais brilhantes que já passaram por nossas terras: Asa White Kenney Billings.

Porém, conhecendo um pouco melhor a história desta octogenária obra-prima, você perceberá que as tubulações que desafiam a serra do mar são meros coadjuvantes nesta história...
Rua Líbero Badaró foto de 1922 ano em que Billings chegou ao Brasil

Billings, um norte americano de Omaha, nascido em 8fev1876, chegou ao Brasil em fevereiro de 1922 como engenheiro da Light, a empresa canadense responsável pelo fornecimento de energia elétrica da cidade de São Paulo, pensando em ficar alguns poucos meses. Naquela época, o rápido crescimento da cidade, que começava a dar sinais de industrialização, já apontava um aumento significativo da demanda por energia elétrica.

A Light até hoje fornece energia elétrica para o Rio de Janeiro
Obcecado pela ideia de criar uma maneira de gerar energia de forma eficiente, aproveitando a geografia da cidade, teve uma ideia: Por quê não usar a queda abrupta de mais de 700 metros do planalto paulista para gerar energia elétrica?

O Sistema idealizado por Billings, reverter as águas do rio Pinheiros, e depois lançá-las montanha abaixo, gerando energia elétrica.
A ideia era genial, mas ainda existia um enorme problema: a topografia da cidade fazia com que os rios que nasciam próximos à Serra do Mar, como o Tietê e o Pinheiros, corressem em direção ao centro do estado, e não para o litoral. O que tinha sido uma enorme vantagem para os Bandeirantes, que usaram os rios para explorar os rincões do Brasil, tornava-se um empecilho para as ideias de Billings. Mas a perseverança e criatividade do engenheiro americano não tinham limites, e novamente ele teve uma ideia que a princípio mostrava-se absurda: Se os rios não correm para a Serra do Mar, por que não reverter seu curso através de estações elevatórias, formando um reservatório que permita a geração de energia?

Pelo sistema de Billings, a energia gasta para elevar as águas do Pinheiros até a Serra do Mar é recuperada plenamente pela Usina Hidrelétrica.
Os estudos mostraram que a reversão de toda a bacia do Tietê não seria factível, mas aplicar a ideia de Billings até a confluência entre os Rios Pinheiros e Tietê seria possível. Desta forma, o Rio Pinheiros seria transformado em um canal desde sua foz até a estação de bombeamento da Traição, que elevaria as águas em cerca de 5 metros, conduzindo-as até a base de uma represa que seria construída nos arredores de Santo Amaro, de onde seriam bombeadas até o Reservatório do Rio Grande, a ser formado por esta barragem. As águas seriam conduzidas às turbinas através de tubulações que desceriam a Serra. O maciço da Serra do Mar, que tantos obstáculos havia criado para a colonização do planalto, seria finalmente utilizado a favor dos paulistas.

Confluência dos rios Pinheiros e Tietê, década de 20.
O rio Pinheiros, antes da retificação coordenada por Billings.


À época, o rio Pinheiros tinha um trajeto sinuoso, formando uma grande várzea inundável, cujos habitantes sofriam com frequentes inundações. O plano de Billings ainda teria a tarefa adicional de aumentar a eficiência do canal que levaria as águas para o reservatório retificando o curso do rio, que traria um efeito colateral interessante: acabar com as enchentes da região.

A Barragem do Rio Grande depois foi expandida, e desde 1949 é chamada de Represa Billings

Barragem do rio das Pedras, onde é possível ver onde termina o planalto e começa o paredão da Serra do Mar

Casa das Vávulas da Usina de Cubatão, no alto da Serra vista espetacular da Baixada Santista

Em 1927 tiveram início as obras da Usina Hidrelétrica de Cubatão, a barragem do Rio Grande (que depois foi expandida e ganhou o nome de Represa Billings) e o deslocamento da antiga Estrada Rio-São Paulo, que passava exatamente por uma área que seria submersa.
Barragem rio das Pedras, 1929. Aqui o nível do reservatório é controlado, e quando sobe muito é jogado serra abaixo até o rio Cubatão.

Depois de problemas de atrasos nas obras durante o período iniciado a partir da Revolução de 32, a retificação do canal do rio Pinheiros e as estações elevatórias em seu percurso foram concluídas em 1944, acabando com as grandes inundações que ocorriam em suas margens durante séculos (depois, com a impermeabilização do solo, as inundações voltaram, mas esta é outra história...)
Turbina Pelton apropriada para pouco volume de água com alta pressão.

Com o sistema em pleno funcionamento, a Usina de Cubatão mostrou-se um sucesso acima das expectativas, pois sua queda de 720 metros e o uso das turbinas Pelton, otimizadas para uso com pouco volume de água, mas com alta queda, tornaram-na uma das mais eficientes do mundo.

Ordem do Cruzeiro do Sul. Pelos serviços prestados ao país, Billings a recebeu em 1946.
O reconhecimento mundial do trabalho de Billings veio em 1936, quando a "Institution of Civil Engineers" de Londres convidou-o a apresentar um relatório sobre o trabalho feito no Brasil, especialmente em São Paulo. O documento "Water-Power in Brazil" tornou-se um clássico no assunto, com leitura recomendada nas Escolas de engenharia de todo o mundo. Seu nome é uma constante na lista dos maiores engenheiros do séc. XX.

Ilustração mostrando a Usina Subterrânea de Cubatão (Usina Henry Borden)
construída depois da época de Billings, mas mesmo assim uma obra fantástica
escavada na rocha, é resistente a bombardeios de qualquer tipo. Durante o período em que Billings esteve no Brasil, entre 1922 e 1949, a geração de energia em São Paulo aumentou de 90 mil quilowatts para mais de 500 mil quilowatts.

Depois da aposentadoria de Billings, foi construída outra obra fantástica, uma segunda usina subterrânea ao lado da Usina de Cubatão, totalmente escavada na rocha, com os mesmos 720 metros de queda e turbinas Pelton, aumentando a capacidade de geração de energia para 800 mil quilowatts.

Entrada da Usina Subterrânea e Interior da usina subterrânea.
Além da geração de energia, a Represa Billings tornou-se um dos principais mananciais da região metropolitana de São Paulo. Infelizmente, na década de 80, a poluição das águas do Pinheiros estava tornando as águas da Represa Billings impraticáveis para consumo humano, e o bombeamento foi interrompido. Com isto, hoje a Usina de Cubatão continua na ativa, mas opera com apenas 1/4 de sua capacidade.

Capivaras à beira do rio Pinheiros ao lado de uma recente ciclovia.
A poluição é tão alta que a água deixou de ser bombeada para a Represa Billings. Billings faleceu em sua residência na cidade californiana de La Jolla, em 3nov1949, poucos meses depois de ter se aposentado, deixando aquela que foi sua verdadeira pátria, por quem trabalhou incansavelmente. Da próxima vez que estiver dirigindo pela Marginal Pinheiros, apreciando as margens agora um pouco mais limpas da Billings, fazendo compras nos Shoppings paulistas na região do Brooklin, ou melhor, ao acender uma lâmpada ou beber um copo de água, lembre-se que foi um perseverante e criativo engenheiro americano o responsável por algumas das mais importantes intervenções já realizadas na maior metrópole sul-americana.
"O gênio, esse poder que deslumbra os olhos humanos, não é outra coisa senão a perseverança bem disfarçada" - Goethe


sábado, 3 de setembro de 2011

Rodoanel trecho NORTE: elevado ou túnel? - Mário Yoshinaga

Como muitos paulistanos, tenho acompanhado com interesse a evolução das obras do Rodoanel no trecho Oeste, e a expectativa de sua continuação. As administrações dos municípios da região do ABCD pressionam o governo do Estado para que o trecho Leste seja priorizado por motivos logísticos do seu parque industrial. Os trechos Norte, que passa pela Serra da Cantareira, e trecho Sul que passa pela região das represas, enfrentam questões de impacto em áreas de preservação ambiental e exigindo soluções rodoviárias diferenciadas.

O trecho Norte foi alvo dos ambientalistas em jan1999, mas o assunto deixou de ser discutido após admitir-se que os túneis resolveriam o problema do impacto da obra sobre o meio ambiente da Serra da Cantareira. Acreditando nas declarações de especialistas, já havia aceitado a solução da travessia do trecho Norte pelo conjunto de túneis imaginando-os modernos e eficientes como o túnel Monte Branco (Mont Blanc) entre Itália e França, com 12.650m, cujo sistema de ventilação é uma referência para a engenharia de túneis. Em 12nov2000 acontece a tragédia com um funicular dentro de um túnel no Monte Kitzsteinhorn, na Áustria, matando 170 pessoas. O mesmo jornal lembra que no ano anterior 40 pessoas morreram no túnel Mont Blanc devido a um caminhão que pegou fogo. Outro incêndio, ocorrido no túnel de Tauern, sob os Alpes, causou a morte de 12 pessoas. A decepção em saber que o túnel modelo não oferecia segurança para situações de incêndio de veículos em seu interior, me levou a indagar que os túneis não estão dimensionados para situações de incêndio. Essa dúvida fica ainda mais preocupante ao ler que para o sistema de ventilação do túnel sob o Rio Pinheiros "a Cetesb projetou duas possibilidades para medir a taxa de ventilação no túnel: congestionamento total, em que a velocidade é zero, e na situação anda-e-para, em velocidade média de 10 km / hora". Será que a situação de emergência, de um incêndio, não foi considerada? (nem mesmo no túnel – modelo de Mont Blanc ?). No recente projeto de duplicação de pista do Rodovia dos Imigrantes, no trecho de 11,5 quilômetros, hoje definido com 4 túneis com 1000 a 3000m de extensão, foi cogitado um traçado de um único túnel (solução recomendada num estudo do IPT). Essa opção foi descartada, segundo Irineu Meireles, presidente da Ecovias, "por causa da segurança e do custo / benefício da obra. Além da necessidade da construção de algumas rotas de fuga para esvaziar o túnel em caso de emergência, haveria um gasto excessivo com equipamentos de ventilação forçada".

Esse artigo nos leva a considerar que um túnel de 7 km como o previsto para o trecho Norte do Rodoanel, na Serra da Cantareira, deverá ter um bom sistema de ventilação e de iluminação, que funcionarão ininterruptamente nos 365 dias do ano. A ventilação do túnel do Rodoanel deverá ser melhor que o do túnel do Rio Pinheiros, pois este limita-se ao uso de automóveis e o Rodoanel é de uso geral, enfrentando o problema de poluição, não apenas do CO mas também da "opacidade" dos gases dos veículos à diesel. Esses fatos nos levam também a pensar se não estaria havendo um distanciamento entre "a teoria e a prática", nos estudos elaborados por órgãos de prestígio como a Cetesb e o IPT, como ocorre em algumas áreas de estudo?

E finalizo as indagações, voltando para o túnel da Cantareira. Embora o trecho oeste do Rodoanel de 31,6 km tenha sido proposto como um empreendimento privado (15%) e público (85% - sendo 21,5% do governo Federal, 42% do governo do Estado e 21,5% da prefeitura, a realidade é que as empresas privadas e a prefeitura não estão participando da obra. A ausência do setor privado, não foi comentada nem pela Dersa, nem pela imprensa, nem por nenhum órgão que tenha por atribuição ou por missão fiscalizar a gestão de obras públicas. A obra, e portanto todas as decisões de projeto e os custos de execução, estão à cargo da Dersa e da verba Estadual e Federal. E ninguém garante que os trechos restantes serão também feitos com dinheiro público. Fazer obras com o dinheiro do Estado é uma condição bem diferente da exigida para obras de particulares. Será que a idéia desses túneis seria "comprada" se o dinheiro para executá-los e mantê-los fosse da responsabilidade total de uma concessionária? As concessionárias não iriam analisar outras alternativas com maior profundidade? Este artigo propõe-se a pensar na alternativa de estrutura elevada.

Primeiro estudo: em nível
O primeiro traçado rodoviário foi elaborado pela Dersa e prevê uma rodovia construída ao nível do solo, nos limites da mancha urbanizada da metrópole paulista e da mata ainda remanescente na encosta da Serra da Cantareira. Nessa encosta, como observa o Prof. Azis Ab’Saber, "a classe rica invade de cima para baixo e a classe pobre de baixo para cima". A especulação imobiliária avança sobre terras em zona de proteção ambiental, apesar da acessibilidade precária de um sistema viário desorganizado. O traçado rodoviário ao nível do solo, poderia comprometer ainda mais as condições naturais dessa encosta ao permitir uma acessibilidade maior a essas áreas, segundo o parecer do IPT. Embora o Rodoanel tenha sido concebido como via bloqueada e com acessos previstos apenas nos cruzamentos com as rodovias, torna-se difícil acreditar que no futuro alguns acessos não venham a ser feitos, como indica o depoimento de Ulisses Carraro, coordenador do Rodoanel: "Tentamos evitar o boom limitando o número de entradas, deixando o Rodoanel mais fechado. Mas o poder real sobre o que pode ou não ser feito é dos municípios".
Alem desse aspecto, a rodovia que cruza uma área de preservação / proteção ambiental devera ter características especiais, alternando seus trechos ao nível do solo, subterrâneo e aéreo de acordo com os níveis de exigência de impacto ambiental considerados. Algumas soluções de traçados rodoviários para áreas especiais foram desenvolvidas em diversos paises, notadamente nos EUA. Alguns exemplos podem ser vistos no site da FHWA, Federal Highway Administration.

Esses bons exemplos de traçados rodoviários não saíram foi uma evolução natural de qualidade de projetos da FHWA. Muito ao contrário, o boicote dos ambientalistas aos traçados meramente rodoviários forçou o departamento de estradas a rever os projetos. Essas manifestações conseguiram arquivar e mudar os projetos baseados em diretrizes convencionais da toda poderosa FHWA, herdeira do ranço de prepotência da época dos planos rodoviários sob a tutela dos militares.(As Interstates foram pensadas como vias estratégicas de uso militar). Algumas dessas mudanças foram significativas, alterando o enfoque do projeto. Por exemplo, uma visão diferente de custos. A prática de fazer obras de baixo custo evoluiu para obras com qualidade e custos controlados; passando para uma relação de equilíbrio entre custos e benefícios, ambos mensuráveis; e no caso de rodovias em áreas de preservação ambientais, uma admissível situação de custos altos com benefícios nem sempre quantificáveis. Desse enfoque surgem soluções rodoviárias renovadas. Num trabalho conjunto e integrado de engenheiros rodoviários, biólogos, botânicos, geólogos, arquitetos, paisagistas, agrônomos, etc, produziu-se significativas melhorias no desenho das rodovias, tornando-as mais integradas à paisagem. Da harmonia do trabalho de equipe resultam projetos em harmonia com a paisagem, parecendo expressar, com suas curvas, suas pistas ao nível das copas das arvores, seus trechos em que desaparece sob a terra e até mesmo com a cor de sua estrutura, um certo parentesco com o meio ambiente, uma certa incorporação do DNA local. Os engenheiros rodoviários da FHWA foram também contaminados com o DNA dos ambientalistas, pois os projetos surgidos do trabalho conjunto são hoje orgulhosamente exibidos como obras da FHWA. Pode-se dizer que houve um resgate do termo rodoviário de "obras de arte", não apenas para designar as estruturas, mas nesse caso, para identificar todo o trecho da rodovia ambiental, ecologicamente correta. Um traçado com a sensibilidade de permitir ao usuário explorar os melhores visuais da paisagem e ao mesmo tempo integrar-se formal e funcionalmente ao meio ambiente envolvente.

O Rodoanel tem características de "Urban Highway"- Rodovia Urbana, ou então de uma "Rural Highway" – Rodovia Rural, dependendo das condições de uso do solo onde se insere. Uma vez que não se observa essa diferenciação nas publicações rodoviárias nacionais, é provável que a DERSA ainda considere essas situações, indiferentemente. O Rodoanel pode ser uma Rodovia Rural no trecho sul, ao passar sobre a represa do Guarapiranga, e pode ser uma Rodovia Urbana nos trechos Oeste e Leste, onde se observa uma urbanização intensa e que tende a adensar ainda mais com a implantação da Rodovia. O trecho Norte, se subterrâneo num trecho de 11 km, pode ser uma Rodovia Rural, mas se aéreo deverá ser uma Rodovia Urbana uma vez que atravessará áreas urbanizadas. Em outro artigo sobre o Rodoanel é feita uma análise do Rodoanel em relação à metrópole paulista e sua importância na malha rodoviária nacional. Nos trechos identificados como Rurais, além da rodovia ser do tipo segregado por longos percursos, atravessando extensas áreas de mata e de lagos, e atender a necessidade de evitar que a ela se transformasse num agente indutor da urbanização de áreas de preservação ambiental, a escolha de uma pista independente e inacessível mostrou-se a mais adequada. Essa pista independente foi pensada como uma estrada aérea, permitindo visualizar as paisagens naturais de grande beleza ao longo do seu trajeto, tanto para o trecho Norte (Serra da Cantareira) como para o trecho Sul (Represa do Guarapiranga). Os impactos dessa pista elevada podem ser bastante minimizados, pois os longos percursos permitem maior liberdade de projeto, como a adoção de estruturas conceituadas como pontes, sem restrições obrigatórias de altura ou de vão livre entre os apoios. Se por um lado as "pontes" sobre os lagos são "defensáveis" pois as pontes são, desde as mais rudimentares pinguelas sobre córregos até as notáveis estruturas sobre grandes rios, concebidas como elementos de ligação das interrupções de continuidade do solo firme; um piso aéreo sobre obstáculos naturais, a idéia de uma provável "ponte" na encosta da Serra da Cantareira, soa estranha, pelo paradoxo de estar sobre solo firme e transitável. Esse assunto será tratado mais adiante.

Alternativa em túneis
Como alternativa ao traçado original, (atacada pelos ambientalistas e moradores da região da Serra da Cantareira), a DERSA considera a opção por um conjunto de 3 túneis, um deles com 7 km de extensão, acatando a sugestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP, "cujos técnicos concluíram que a estrada iria desmatar e provocar especulação imobiliária". Defende a solução em túneis o coordenador do projeto da DERSA, Ulysses Carraro, que reconhece no traçado em túneis uma evolução em termos de extensão e custo com desapropriações, e afirma : "O principal argumento, porém, é ambiental porque não toca na fauna e flora... a obra é grande para os padrões brasileiros... os túneis da Imigrantes e os do Rio de Janeiro não ultrapassam dois quilômetros de comprimento. Na Europa eles são mais comuns". É também favorável aos túneis o Prof Aziz Ab’Saber, geógrafo da USP, que afirma: "a pista a cerca de 780 metros do nível do mar não irá afetar a floresta das montanhas, cujos cumes chegam a 1,1 mil metros acima do nível do mar... Eu ajudei a tombar a Cantareira e não quero vê-la destruída. A escavação será em granito sólido, sem alterar sequer fluxos de água. E as obras não produzirão novos caminhos, que abririam espaço para mais casas de veraneio". É também favorável ao projeto dos túneis, por questão administrativa, o Gerente de Projetos da DERSA, Manuel Augusto Rodrigues; o coordenador técnico do Rodoanel Francisco José Fabbro do Couto ;o Gestor das obras do anel viário, Raymundo d’Elia Júnior; o superintendente jurídico da DERSA, Oscar Welker Júnior; o presidente da Comissão de Fiscalização e Controle da Assembléia Legislativa, deputado Edmir Abi Chedid; e o presidente da DERSA Sérgio Gonçalves Pereira. Na escala hierárquica, endossam as decisões da DERSA os responsáveis pelo projeto na Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos e o Governador do Estado. É também muito provável que o relatório de impacto ambiental a ser elaborado por firma de consultoria contratada pela DERSA seja também favorável aos túneis. É possível que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) seja a mesma consultora que elaborou o EIA/RIMA do Trecho Oeste do Rodoanel, a FESPSP – Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Um dos poucos questionamentos ao projeto da DERSA divulgados pela mídia é feito pela S.O.S. Mata Atlântica, na pessoa do presidente Mário Mantovani, "que defende que o projeto da DERSA na Cantareira deva ser debatido amplamente junto à sociedade civil antes de ser considerado definitivo. Desconfio de tudo que a DERSA faz, por causa de sua história de obras de alto impacto por serem mal realizadas do ponto de vista ambiental. Nós somos a favor do Rodoanel, mas achamos que ele não pode ser deixado nas mãos da DERSA que tem ainda uma mentalidade estradeira". Um aspecto negativo em relação aos túneis é o custo. As avaliações divergem (ou os números publicados estão constantemente com erros de imprensa). O IPT defende que os 11 km de túneis custará R$ 30 milhões, portanto R$ 2,7 milhões / km. Consideramos que o valor seja de R$ 27 milhões/km. No relatório para os 13 km de túnel contínuo para a segunda pista da Rodovia dos Imigrantes, o IPT avaliou em US$ 240 milhões, portanto US$ 18,46 milhões/km ou 18,46 x 1,95 = R$ 35,99 milhões/km, recomendando-a como sendo a solução mais econômica que a tradicional de túneis e viadutos. No entanto, o custo levantado pela Ecovias para a segunda pista da Imigrantes, de 21 km foi de apenas R$ 25,71 milhões/km. Apenas para comparação, o custo da primeira pista, de 54,4 km foi de R$ 34,36 milhões/km. O IPT precisa explicar (ou os jornais) como R$ 35,99 é mais barato que R$ 34,36 ou R$ 25,71 (milhões/km). É possível que os custos de túneis sejam menos previsíveis que as obras "sobresolo" ou aéreas, pois como explica Carlos Augusto Campanha, gerente de projetos da área de escavações subterrâneas da empresa Figueiredo Ferraz, "túneis são obras mutáveis, que não seguem à risca o projeto inicialmente desenhado". Não é preciso dizer, aos arquitetos principalmente, o que significa mudar o projeto na obra, e os reflexos disso nos custos e nos prazos. E não é preciso também, dizer aos construtores o que significa mudar o projeto ou reavaliar as condições de trabalho na obra.

Alternativa em elevado
Antes de tudo vale lembrar que o termo elevado, pelo menos para os paulistanos, traz à lembrança a desastrosa estrutura conhecida como "minhocão", o Elevado Costa e Silva, que além de ser indigno de ser chamada na linguagem da engenharia de "Obras de Arte", é urbanisticamente uma imagem negativa. Por essa razão, ao chamar a estrutura aérea de elevado é possível que as pessoas venham a imaginar um "minhocão" atravessando a cidade na encosta da Serra da Cantareira, e a reação contra tal estrutura seria quase inevitável. Por essa razão, e lembrando que certas palavras devem ser evitadas para não prejudicarem, a narrativa pelo "pré-conceito" que geram, precisamos trabalhar a reciclagem do termo elevado. Além do termo, precisamos trabalhar a imagem que imediatamente se associa ao elevado. Para os urbanisticamente traumatizados paulistanos, a imagem é a de uma estrutura pesada (pré-fabricados sem inovação tecnológica), desproporcional (relação entre largura de tabuleiro x altura livre, algo próximo a 1:1), visualmente desagradável (pilares volumosos e pouco espaçados e espaços escurecidos e mal ventilados sob o viaduto). E evidentemente em desarmonia com o meio urbano (impactos negativos diretos nos apartamentos e estabelecimentos comerciais vizinhos, como barulho, e invasão de privacidade, e indiretos para os usuários dessa região, como poluição e desvalorização dos imóveis).
Lembrando um dos poucos autores que falam de "bases estéticas" para o desenho de pontes, Fritz Leonhardt, mencionado no livro de Juan Roig (Roig, 1996) –: "indudablemente un puente esbelto se ve mejor que uno pesado y, por ello, la esbeltez es algo a lo que se aspira casi siempre en el diseño" – a tecnologia do concreto protendido e a utilização do Concreto de Alto Desempenho – CAD, têm ajudado os projetistas no desenho de estruturas cada vez mais esbeltas, e consequentemente menos impactantes. Alguns projetos de pontes conseguem, além dessa leveza e simplificação, a expressão de formas que se somam à paisagem, como a ponte de Ganter nos Alpes Suíços, com pilares de 150m de altura e vãos de até 174m, com traçado em curva. Essa estrutura, considerada uma das mais belas pontes do século, foi desenhada pelo Engenheiro Suíço Christian Menn, cujo pai foi associado do engenheiro suíço Robert Maillard. Maillard é uma referência na história da evolução de desenho de pontes do início do século. É interessante observar a ligação que existe entre alguns importantes projetistas de grandes estruturas. O arquiteto e engenheiro espanhol Santiago Calatrava, foi aluno de Christian Menn em Zurich; Christian Menn trabalhou com o engenheiro italiano Píer Luigi Nervi. Calatrava interessa-se muito por pontes pelo seu desenho, sua construção, seu propósito e a maneira como se integram na paisagem. "I like bridges to have their own identity, to harmonise with their surroundings while being independent in their design. Bridges are a fascinating sight when they fit harmoniously into a landscape or townscape and thereby form a bond. I try to create bridges which are simple in appearance but also unusual. I like them to be of this century…"
Por que o elevado na cantareira?
Por ser uma alternativa que a nosso ver não foi considerada com a atenção merecida.

Aspectos ambientais
Sob o aspecto de impacto ambiental, a estrutura elevada interfere menos que o traçado convencional de cortes e aterros, pontes e túneis em pequenos trechos. Nesse sentido, a comparação resume-se a grandes túneis ou grandes estruturas elevadas. A poluição causada pelos veículos deveria empatar, uma vez que o número de veículos seria a mesma para as duas situações. Mas pode-se solicitar à Cetesb se as condições de combustão dos motores dentro de um túnel de 7km seriam as mesmas que na estrutura elevada, e se os poluentes da rodovia em túnel e em elevado se dissipariam em condições iguais. Para manter os túneis condições mínimas de uso, será necessário um funcionamento permanente de ventilação forçada e de iluminação artificial, significando um consumo de energia elétrica de concessionárias, além de um sistema de geração de energia elétrica para casos de interrupções de fornecimento. Os elevados consomem menos energia elétrica por contarem com iluminação e ventilação natural. Em alguns casos, a estrutura poderá equipar-se com coletores fotovoltaicos para geração de energia elétrica. Os túneis estão abrigados da chuva, do sol e do vento e não sofrem deterioração pela ação do tempo, mas sofrem a poluição dos gases dos veículos. Os elevados sofrem a ação deteriorante do tempo. Mas por outro lado podem utilizar-se da energia solar para gerar calor e eletricidade; pode utilizar-se da água de chuva coletada em suas pistas ou em coberturas armazenando-as em altura, com "pressão"; pode utilizar-se dos ventos para dissipar os gases dos veículos. O barulho dentro dos túneis pode ser tratado com material de absorção acústica adequada para túneis, utilizando-se de material metálico ou de cerâmica. Tem a função de diminuir a propagação do som dentro do túnel. O barulho em estruturas elevadas precisa ser tratado com o objetivo de minimizar a propagação do som para o entorno da estrada. Em alguns casos essa proteção poderá envolver as pistas de rodagem, formando uma espécie de "túnel aéreo". O aspecto que mais diferencia o túnel da estrutura elevada é a visibilidade. Enquanto o túnel, na maior parte do percurso fica fora da visão paisagística, a estrutura elevada aparece com grande presença na paisagem. E essa presença, integrada ou não à paisagem, parece primordial à sua aceitação. A questão que se coloca então é: como tornar o ambiente melhorado com a inserção dessa estrutura elevada?
Colocar uma estrutura esbelta, leve e quase transparente na paisagem como uma estrutura de ponte estaiada? Colocar uma estrutura massiva e marcante, de grande presença e servindo como referência urbana como as estruturas de aquedutos? Colocar uma estrutura "camaleônica" que se disfarça na paisagem de seu entorno imediato como as estruturas de "pontes habitadas"?
E quanto ao seu traçado, definiria como uma "curva de nível virtual" solta no espaço? Definiria como uma grande reta paralela absoluta ao trópico do capricórnio? Definiria como um espaço de uso múltiplo para diversos modos de transporte, das redes centrais de infra-estrutura, e de atividades de lazer e serviços conectados ao transporte? E quanto à sua viabilidade econômica?

Adoção do uso compartilhado de atividades afins. A afinidade neste caso seria a de travessia do meio urbano do trecho Norte da rodovia. O compartilhamento imediato seria com a ferrovia do Trem de Alta Velocidade – TAV, cujo trajeto prevê a ligação de Campinas com São Paulo, Aeroporto de Guarulhos, São José dos Campos e Rio de janeiro. E prevê a passagem em estrutura elevada pela encosta da Serra da Cantareira ou proximidades do Rio Tietê, parada junto à Estação Rodoviária do Tietê e continuação da estrutura até o Aeroporto de Guarulhos. Apenas esse compartilhamento já seria o suficiente, mas esse traçado poderia ser utilizado no nível ora elevado ora ao nível do solo, por uma linha de Veículo Leve sobre Trilhos – VLT, prevista num estudo do Metrô-SP, ligando o Aeroporto de Guarulhos à Estação Tucuruvi.

Conclusão
Precisamos promover uma discussão ampla sobre esse trecho do Rodoanel, conforme propõe o Mantovani, da SOS Mata Atlântica, considerando as questões de custo, prazo, impacto ambiental, benefícios sociais, inserção na paisagem, referencial urbano, integração de transportes, significado para a cidade mundial, participação da iniciativa privada e gestão do empreendimento.
Sobre o autor: Mario Yoshinaga, doutorando na FAUUSP, em Estruturas Ambientais Urbanas e Professor na Universidade Guarulhos.